Satisfação ao volante

Esse é o objetivo de um carro bem projetado, mas quais
os atributos que ele deve ter na opinião deste editor?

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorSeja pela atividade no Best Cars há mais de 10 anos, seja por gostar e me inteirar do assunto desde criança, há duas perguntas que ouço com freqüência de pessoas conhecidas e de leitores do site: "Que carro você me recomenda?" e "Como seria o carro ideal para você?".

Responder à primeira questão requer saber mais sobre as necessidades de uso e as preferências pessoais de quem perguntou. Já quanto à segunda, meu envolvimento com carros por todo este tempo — em especial as avaliações que faço no site desde 1998 — permitiu traçar alguns parâmetros. É claro que, por refletirem meu gosto e minhas necessidades de uso, ninguém é obrigado a concordar com eles. Mas acredito que a forma de raciocínio possa ser útil a toda pessoa que pretenda escolher para si o carro ideal.

Primeiro aspecto: tamanho. Na condição atual de casado e sem filhos, não preciso de muito espaço. Mas, para ter um carro só, é essencial que ele possa levar quatro pessoas com conforto e cinco de forma razoável, além de sua bagagem. Por isso, um modelo médio-pequeno me parece ideal, algo na faixa de Astra, Focus, Golf, 307. Os hatchbacks desse porte me atendem bem, mas a expectativa de ampliação da família nos próximos anos já me levaria a escolher um sedã três-volumes ou mesmo perua.

Um carro desses mede em torno de 4,20 metros (hatch) ou 4,5 m (sedã e perua), com entreeixos ao redor de 2,60 m. Modelos maiores já dão trabalho para encontrar vagas; os menores não oferecem o conforto necessário. E quanto à altura? A faixa de 1,45 m concilia espaço, posição de dirigir e desenho equilibrado. Os que passam de 1,50 m costumam não me convencer em algum destes quesitos. A configuração de motor transversal e tração dianteira é a mais equilibrada entre eficiência, comportamento e espaço interno — deixemos a tração traseira para o carro da diversão, do fim de semana.

Minivans e utilitários esporte? Não, obrigado. As primeiras pela posição do motorista, que lembra a de um veículo comercial — um projetista da Volvo já disse que dirigi-las lembra cavalgar uma vaca, com todo aquele volume atrás do "condutor". E os SUVs nada acrescentam a meu perfil de uso. O que representam em aptidão para sair do asfalto não me convence a tolerar suas desvantagens no dia-a-dia.

Vamos ao interior. Sou exigente com materiais de acabamento e aspecto interno, mais até que com o desenho da carroceria — natural, pois passamos muito mais tempo dentro do carro que o olhando de fora. Para os bancos, prefiro tecido macio e claro. Couro preto, que para muitos é o material predileto, seria minha última opção neste país com tanto sol e calor. No painel, não faço questão de muitos instrumentos, mas gosto de computador de bordo. Iluminação em laranja ou vermelho tem minha preferência, e nada de marcadores de cristal líquido.

Facilidade de uso dos comandos é importante, assim como visibilidade — abomino as colunas dianteiras largas, avançadas e às vezes duplas de alguns carros atuais. Volante, prefiro os de quatro raios e com comando de buzina na almofada central. Pedais devem estar bem posicionados, com espaço para o repouso do pé esquerdo. Sem ar-condicionado não dá para ficar hoje em dia, mas não me importo em ter de ajustá-lo manualmente, assim como ligar faróis e limpador de pára-brisa ou alterar o retrovisor interno para a posição antiofuscante.

Controles elétricos dos vidros devem estar sempre nas portas e é ideal contarem com função um-toque, abertura e fechamento por controle remoto. Ainda sobre equipamentos, aprecio muito teto solar (de vidro, para clarear o interior mesmo fechado) e acho conveniente ter faixa degradê no pára-brisa, indicador de temperatura externa e sistema de áudio com MP3, para dispensar a troca de CD em longos percursos. Já o retrovisor esquerdo tem de ser convexo ou biconvexo, do que não abro mão.

Tampas de porta-malas de sedãs devem usar articulações pantográficas, para não amassar a bagagem ou roubar espaço interno. Banco traseiro rebatível nesse tipo de carroceria é essencial, e bipartido, bem-vindo. O estepe deve ficar por dentro e ter pneu igual aos demais. Na parte de iluminação, dispenso faróis de neblina, mas me incomoda não ter repetidores laterais das luzes de direção e duplo refletor nos faróis — pelo vão escuro diante do carro quando se usa o facho alto.

A mecânica
Vamos ao motor. Para um carro médio, as unidades atuais de 1,6 e 1,8 litro e de 110 a 140 cv combinam desempenho e consumo satisfatórios. Mais importante que a potência máxima é como ela se distribui: deve haver boa resposta abaixo de 2.000 rpm, o que invalida para mim os motores de 1,0 litro, mesmo em carros pequenos e leves. Suavidade em alta rotação é desejada — se não pelo uso desses regimes, que não é freqüente em meu caso, ao menos pela satisfação de perceber um bom projeto de engenharia.

Também essencial é que o motor trabalhe com pouco ruído e baixa rotação em viagem, como cerca de 3.000 rpm a 120 km/h em última marcha. Por esta razão sou adepto das caixas com sobremarcha, como o padrão 4+E. E na cidade fazem-se menos mudanças, pois o intervalo entre as marchas é amplo. Ainda no câmbio, a ré deve ser engatada sem uso de anel-trava.

Suspensão: arranjos modernos como o multibraço conquistam pela eficiência em diversas condições de uso, mas o principal é a calibração bem feita. As molas devem ser suaves e os amortecedores firmes, receita percebida em vários modelos notáveis nesse aspecto. Estabilizador é necessário ao menos em um dos eixos, pois desconheço carros (com suspensões convencionais e molas de aço, bem entendido) que combinem conforto e estabilidade sem ele. Para melhor absorção de irregularidades e vibrações, aprecio subchassi, se possível em ambos os eixos.

Freios com quatro discos são bem-vindos, mas tambores na traseira não comprometem em carros de peso e potência medianos. Se o sistema antitravamento (ABS) é conveniente, dispenso a assistência adicional em emergência — basta o motorista manter a pressão no pedal nessas condições, sem se assustar com a trepidação causada pelo ABS. Na direção, assistência é indispensável e tenho predileção pela elétrica, que permite deixá-la bem leve em baixa velocidade sem prejuízo da precisão em alta (embora a hidráulica possa chegar a esse nível se for regressiva pela velocidade).

O que mais o carro ideal deve ter? Bolsas infláveis, no mínimo as frontais, pois sem elas nenhum modelo atenderia às atuais normas de segurança do Primeiro Mundo. Cintos de três pontos devem servir a todos os ocupantes. Controle de estabilidade é bem-vindo, mas compreendo que não poderia tê-lo num carro de preço médio dentro do que o mercado oferece hoje. Já o controle de tração é dispensável em nosso clima sem neve e neste grau de potência. Além do equipamento de fábrica, apenas filme escurecedor em graduação mediana (ao redor de 40% de transparência, apesar de a legislação impedir seu uso nas portas dianteiras). Nada de engate de reboque, tapetes (embora eu aceite os acarpetados) ou qualquer tipo de personalização.

No mercado nacional há alguns modelos que se aproximam bastante dessa descrição, outros que atendem aos pontos mais relevantes. Gostos à parte, o importante no carro ideal é que ele nos dê satisfação em dirigir e possuir.

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Data de publicação: 3/5/08

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