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Best Cars há mais de 10 anos, seja por gostar e me inteirar do
assunto desde criança, há duas perguntas que ouço com freqüência de
pessoas conhecidas e de leitores do site: "Que carro você me
recomenda?" e "Como seria o carro ideal para você?".
Responder à primeira questão requer saber mais sobre as necessidades
de uso e as preferências pessoais de quem perguntou. Já quanto à
segunda, meu envolvimento com carros por todo este tempo — em
especial as avaliações que faço no site desde 1998 — permitiu traçar
alguns parâmetros. É claro que, por refletirem meu gosto e minhas
necessidades de uso, ninguém é obrigado a concordar com eles. Mas
acredito que a forma de raciocínio possa ser útil a toda pessoa que
pretenda escolher para si o carro ideal.
Primeiro aspecto: tamanho. Na condição atual de casado e sem filhos,
não preciso de muito espaço. Mas, para ter um carro só, é essencial
que ele possa levar quatro pessoas com conforto e cinco de forma
razoável, além de sua bagagem. Por isso, um modelo médio-pequeno me
parece ideal, algo na faixa de Astra, Focus, Golf, 307. Os
hatchbacks desse porte me atendem bem, mas a expectativa de
ampliação da família nos próximos anos já me levaria a escolher um
sedã três-volumes ou mesmo perua.
Um carro desses mede em torno de 4,20 metros (hatch) ou 4,5 m (sedã
e perua), com entreeixos ao redor de 2,60 m. Modelos maiores já dão
trabalho para encontrar vagas; os menores não oferecem o conforto
necessário. E quanto à altura? A faixa de 1,45 m concilia espaço,
posição de dirigir e desenho equilibrado. Os que passam de 1,50 m
costumam não me convencer em algum destes quesitos. A configuração
de motor transversal e tração dianteira é a mais equilibrada entre
eficiência, comportamento e espaço interno — deixemos a tração
traseira para o carro da diversão, do fim de semana.
Minivans e utilitários esporte? Não, obrigado. As primeiras pela
posição do motorista, que lembra a de um veículo comercial — um
projetista da Volvo já disse que dirigi-las lembra cavalgar uma
vaca, com todo aquele volume atrás do "condutor". E os SUVs nada
acrescentam a meu perfil de uso. O que representam em aptidão para
sair do asfalto não me convence a tolerar suas desvantagens no
dia-a-dia.
Vamos ao interior. Sou exigente com materiais de acabamento e
aspecto interno, mais até que com o desenho da carroceria — natural,
pois passamos muito mais tempo dentro do carro que o olhando de
fora. Para os bancos, prefiro tecido macio e claro. Couro preto, que
para muitos é o material predileto, seria minha última opção neste
país com tanto sol e calor. No painel, não faço questão de muitos
instrumentos, mas gosto de computador de bordo. Iluminação em
laranja ou vermelho tem minha preferência, e nada de marcadores de
cristal líquido.
Facilidade de uso dos comandos é importante, assim como visibilidade
— abomino as colunas dianteiras largas, avançadas e às vezes duplas
de alguns carros atuais. Volante, prefiro os de quatro raios e com
comando de buzina na almofada central. Pedais devem estar bem
posicionados, com espaço para o repouso do pé esquerdo. Sem
ar-condicionado não dá para ficar hoje em dia, mas não me importo em
ter de ajustá-lo manualmente, assim como ligar faróis e limpador de
pára-brisa ou alterar o retrovisor interno para a posição
antiofuscante.
Controles elétricos dos vidros devem estar sempre nas portas e é
ideal contarem com função um-toque,
abertura e fechamento por controle remoto. Ainda sobre equipamentos,
aprecio muito teto solar (de vidro, para clarear o interior mesmo
fechado) e acho conveniente ter faixa degradê no pára-brisa,
indicador de temperatura externa e sistema de áudio com
MP3, para dispensar a troca de CD em
longos percursos. Já o retrovisor esquerdo tem de ser
convexo ou biconvexo, do que não
abro mão.
Tampas de porta-malas de sedãs devem usar articulações
pantográficas, para não amassar a
bagagem ou roubar espaço interno. Banco traseiro rebatível nesse
tipo de carroceria é essencial, e bipartido, bem-vindo. O estepe
deve ficar por dentro e ter pneu igual aos demais. Na parte de
iluminação, dispenso faróis de neblina, mas me incomoda não ter
repetidores laterais das luzes de direção e
duplo refletor nos faróis — pelo vão
escuro diante do carro quando se usa o facho alto.
A mecânica
Vamos ao motor. Para um carro médio, as unidades atuais de 1,6 e 1,8
litro e de 110 a 140 cv combinam desempenho e consumo satisfatórios.
Mais importante que a potência máxima é como ela se distribui: deve
haver boa resposta abaixo de 2.000 rpm, o que invalida para mim os
motores de 1,0 litro, mesmo em carros pequenos e leves. Suavidade em
alta rotação é desejada — se não pelo uso desses regimes, que não é
freqüente em meu caso, ao menos pela satisfação de perceber um bom
projeto de engenharia.
Também essencial é que o motor trabalhe com pouco ruído e baixa
rotação em viagem, como cerca de 3.000 rpm a 120 km/h em última
marcha. Por esta razão sou adepto das caixas com sobremarcha, como o
padrão 4+E. E na cidade fazem-se
menos mudanças, pois o intervalo entre as marchas é amplo. Ainda no
câmbio, a ré deve ser engatada sem uso de anel-trava.
Suspensão: arranjos modernos como o multibraço conquistam pela
eficiência em diversas condições de uso, mas o principal é a
calibração bem feita. As molas devem ser suaves e os amortecedores
firmes, receita percebida em vários modelos notáveis nesse aspecto.
Estabilizador é necessário ao menos em um dos eixos, pois desconheço
carros (com suspensões convencionais e molas de aço, bem entendido)
que combinem conforto e estabilidade sem ele. Para melhor absorção
de irregularidades e vibrações, aprecio
subchassi, se possível em ambos os eixos.
Freios com quatro discos são bem-vindos, mas tambores na traseira
não comprometem em carros de peso e potência medianos. Se o sistema
antitravamento (ABS) é conveniente, dispenso a
assistência adicional em emergência —
basta o motorista manter a pressão no pedal nessas condições, sem se
assustar com a trepidação causada pelo ABS. Na direção, assistência
é indispensável e tenho predileção pela elétrica, que permite
deixá-la bem leve em baixa velocidade sem prejuízo da precisão em
alta (embora a hidráulica possa chegar a esse nível se for
regressiva pela velocidade).
O que mais o carro ideal deve ter? Bolsas infláveis, no mínimo as
frontais, pois sem elas nenhum modelo atenderia às atuais normas de
segurança do Primeiro Mundo. Cintos de três pontos devem servir a
todos os ocupantes. Controle de
estabilidade é bem-vindo, mas compreendo que não poderia tê-lo
num carro de preço médio dentro do que o mercado oferece hoje. Já o
controle de tração é dispensável em nosso clima sem neve e neste
grau de potência. Além do equipamento de fábrica, apenas filme
escurecedor em graduação mediana (ao redor de 40% de transparência,
apesar de a legislação impedir seu uso nas portas dianteiras). Nada
de engate de reboque, tapetes (embora eu aceite os acarpetados) ou
qualquer tipo de personalização.
No mercado nacional há alguns modelos que se aproximam bastante
dessa descrição, outros que atendem aos pontos mais relevantes.
Gostos à parte, o importante no carro ideal é que ele nos dê
satisfação em dirigir e possuir. |