Que voltem as duas portas

Ainda que menos convenientes, essas versões têm
apreciadores que andam com poucas opções

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorEstive esta semana com um Citroën C4 VTR, a ser incluído em futuro comparativo do site, e confesso que de um aspecto não gostei. As portas (apenas duas laterais) são pesadas, seu tamanho limita o ângulo de abertura em vagas estreitas e o cinto não está bem à mão, apesar da boa solução do fabricante para o manter acessível — uma alça no encosto do banco não o deixa voltar à posição original na coluna. Isso para não falar no desconforto de acesso ao banco traseiro, ainda que os dianteiros contem com mecanismo de correr para a frente ao ser basculados.

Em síntese, pelo aspecto de utilização eu não teria hoje um carro de três (ou duas) portas. Mas respeito quem pensa diferente... como eu pensava há 10 anos, quando comprei um Golf GTI de terceira geração, o mexicano. Embora a mecânica da versão "esportiva" fosse idêntica à da GLX, ambas com motor de 2,0 litros, o GTI me atraiu justamente pelo teto solar e pelo ar informal das três portas. Questão, portanto, de prioridades que cada pessoa — ou a mesma pessoa em diferentes momentos da vida — dá aos atributos de um carro.

Por isso, apesar dos inconvenientes, entendo que a Citroën merece elogios por oferecer aqui o C4 hatch com três portas, em vez de cinco, já que se trata de versão com apelo esportivo. O que ganha maior relevância quando se comparam os desenhos das duas versões, bem diferentes da metade para trás. Uma tendência na Europa, aliás: de carros pequenos como Fiesta e Corsa a médio-grandes como BMW Série 3, passando pelos hatches médios (Stilo, Astra, Audi A3, o próprio C4), hoje são muitos os modelos de duas e três portas com desenho próprio, que em geral passa por teto mais baixo e colunas traseiras mais inclinadas que nas carrocerias de quatro ou cinco portas. Tudo em nome do estilo, que é afinal o que motiva a opção pelas portas a menos.

Enquanto isso, no mercado brasileiro, versão de duas portas torna-se sinônimo de carro barato e não de esportivo. Só oferecem essa opção, entre os nacionais, os pequenos Celta, Mille, Palio (não em versão ELX 1,4), Ka, 206, Clio (apenas em acabamento básico, Authentique), Gol e Fox. Desses, os únicos com versões que se podem chamar de esportivas são o Ka XR, em fim de carreira, e o Palio 1.8R, uma concessão da Fiat a numerosos pedidos da imprensa e do público — quando a versão foi lançada, em 2005, só vinha com cinco portas. Renault e Peugeot já ofereceram acabamentos específicos do Clio e do 206 com três portas, mas desistiram.

Passa-se ao segmento dos médios e as opções desaparecem. Ou se escolhe um importado, como o Volvo C30 e o citado Citroën, ou se levam forçosamente as cinco portas. Até o Astra, o último médio nacional a insistir nas três portas — levou quatro anos para que a GM desse as portas traseiras ao hatch, em 2002 —, deixou de oferecer essa alternativa, que a Volkswagen também abandonou no Golf há algum tempo. Até a Audi, que apenas importa o A3, eliminou a opção pouco depois do lançamento da nova geração.

Curiosamente, há 15 ou 20 anos a situação era bem outra. O mercado preferia carros de duas portas, embora no segmento de médios para cima as quatro portas já fossem exigidas por boa parte do público. Assim, carros como Santana e Tempra tiveram de ganhar versões de duas portas específicas para o Brasil. No segmento de entrada esta era a configuração dominante, a ponto de o líder de vendas Gol só ter aparecido com cinco portas no modelo 1998.

E qual o argumento dos fabricantes para a quase extinção das versões de duas portas? Custos, como sempre. Sendo a parte central a mais cara da carroceria para se modificar no processo produtivo, é fácil entender que uma empresa não vá investir em uma versão diferenciada sem a certeza do retorno financeiro. E, mesmo que a carroceria de duas portas já exista na linha — caso do Palio —, as fábricas alegam custos adicionais para ampliar a variedade de versões, seja ao produzir, seja ao abastecer as concessionárias. E por falar nelas, como a hegemonia das cores prata e preta não nos deixa esquecer, carro que demora a ser vendido faz os revendedores fugirem como o diabo foge da cruz...

Mas fica no ar a pergunta: com o mercado nacional batendo recordes históricos, com a expectativa de vendas de 2,3 milhões de automóveis este ano, até quando teremos todos de comprar apenas o que a maioria quer? Quando voltaremos a poder escolher entre vários esportivos, conversíveis, carros com teto solar? Por que não podemos mais decidir a cor externa — fora de três ou quatro tons cinzentos do prata ao preto — e a do acabamento interno?

Custos? Ora, os custos. O mercado brasileiro era uma fração do atual na década de 1980 e no começo da de 1990, mas tudo isso estava à disposição do consumidor. Tínhamos menos marcas e modelos, é verdade, mas cada fabricante oferecia maior variedade de versões para quem quisesse sair da mesmice. Se a indústria ganhou tanto em volume, mas o consumidor só perdeu opções, é sinal de que algo está errado e precisa ser revertido nessa relação.

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Data de publicação: 15/9/07

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