Estive esta semana com
um Citroën C4 VTR, a ser incluído em futuro comparativo do site, e
confesso que de um aspecto não gostei. As portas (apenas duas
laterais) são pesadas, seu tamanho limita o ângulo de abertura em
vagas estreitas e o cinto não está bem à mão, apesar da boa solução
do fabricante para o manter acessível — uma alça no encosto do banco
não o deixa voltar à posição original na coluna. Isso para não falar
no desconforto de acesso ao banco traseiro, ainda que os dianteiros
contem com mecanismo de correr para a frente ao ser basculados.
Em síntese, pelo aspecto de utilização eu não teria hoje um carro de
três (ou duas) portas. Mas respeito quem pensa diferente... como eu
pensava há 10 anos, quando comprei um Golf GTI de terceira geração,
o mexicano. Embora a mecânica da versão "esportiva" fosse idêntica à
da GLX, ambas com motor de 2,0 litros, o GTI me atraiu justamente
pelo teto solar e pelo ar informal das três portas. Questão,
portanto, de prioridades que cada pessoa — ou a mesma pessoa em
diferentes momentos da vida — dá aos atributos de um carro.
Por isso, apesar dos inconvenientes, entendo que a Citroën merece
elogios por oferecer aqui o C4 hatch com três portas, em vez de
cinco, já que se trata de versão com apelo esportivo. O que ganha
maior relevância quando se comparam os desenhos das
duas versões, bem diferentes da
metade para trás. Uma tendência na Europa, aliás: de carros pequenos
como Fiesta e Corsa a médio-grandes como BMW Série 3, passando pelos
hatches médios (Stilo, Astra, Audi A3, o próprio C4), hoje são
muitos os modelos de duas e três portas com desenho próprio, que em
geral passa por teto mais baixo e colunas traseiras mais inclinadas
que nas carrocerias de quatro ou cinco portas. Tudo em nome do
estilo, que é afinal o que motiva a opção pelas portas a menos.
Enquanto isso, no mercado brasileiro, versão de duas portas torna-se
sinônimo de carro barato e não de esportivo. Só oferecem essa opção,
entre os nacionais, os pequenos Celta, Mille, Palio (não em versão
ELX 1,4), Ka, 206, Clio (apenas em acabamento básico, Authentique),
Gol e Fox. Desses, os únicos com versões que se podem chamar de
esportivas são o Ka XR, em fim de carreira, e o Palio 1.8R, uma
concessão da Fiat a numerosos pedidos da imprensa e do público —
quando a versão foi lançada, em 2005, só vinha com cinco portas.
Renault e Peugeot já ofereceram acabamentos específicos do Clio e do
206 com três portas, mas desistiram.
Passa-se ao segmento dos médios e as opções desaparecem. Ou se
escolhe um importado, como o Volvo C30 e o citado Citroën, ou se
levam forçosamente as cinco portas. Até o Astra, o último médio
nacional a insistir nas três portas — levou quatro anos para que a
GM desse as portas traseiras ao hatch, em 2002 —, deixou de oferecer
essa alternativa, que a Volkswagen também abandonou no Golf há algum
tempo. Até a Audi, que apenas importa o A3, eliminou a opção pouco
depois do lançamento da nova geração.
Curiosamente, há 15 ou 20 anos a situação era bem outra. O mercado
preferia carros de duas portas, embora no segmento de médios para
cima as quatro portas já fossem exigidas por boa parte do público.
Assim, carros como Santana e Tempra tiveram de ganhar versões de
duas portas específicas para o Brasil. No segmento de entrada esta
era a configuração dominante, a ponto de o líder de vendas Gol só
ter aparecido com cinco portas no modelo 1998.
E qual o argumento dos fabricantes para a quase extinção das versões
de duas portas? Custos, como sempre. Sendo a parte central a mais
cara da carroceria para se modificar no processo produtivo, é fácil
entender que uma empresa não vá investir em uma versão diferenciada
sem a certeza do retorno financeiro. E, mesmo que a carroceria de
duas portas já exista na linha — caso do Palio —, as fábricas alegam
custos adicionais para ampliar a variedade de versões, seja ao
produzir, seja ao abastecer as concessionárias. E por falar nelas,
como a hegemonia das cores prata e preta não nos deixa esquecer,
carro que demora a ser vendido faz os revendedores fugirem como o
diabo foge da cruz...
Mas fica no ar a pergunta: com o mercado nacional batendo recordes
históricos, com a expectativa de vendas de 2,3 milhões de automóveis
este ano, até quando teremos todos de comprar apenas o que a maioria
quer? Quando voltaremos a poder escolher entre vários esportivos,
conversíveis, carros com teto solar? Por que não podemos mais
decidir a cor externa — fora de três ou quatro tons cinzentos do
prata ao preto — e a do acabamento interno?
Custos? Ora, os custos. O mercado brasileiro era uma fração do atual
na década de 1980 e no começo da de 1990, mas tudo isso estava à
disposição do consumidor. Tínhamos menos marcas e modelos, é
verdade, mas cada fabricante oferecia maior variedade de versões
para quem quisesse sair da mesmice. Se a indústria ganhou tanto em
volume, mas o consumidor só perdeu opções, é sinal de que algo está
errado e precisa ser revertido nessa relação. |