O Conselho Nacional de
Trânsito (Contran) aprovou a criação do Sistema Nacional de
Identificação Automática de Veículos (SINIAV), que prevê a aplicação,
dentro de cinco anos, de uma plaqueta eletrônica ao pára-brisa de
todos os veículos. O sistema permitirá a antenas específicas, ligadas
a centrais de processamento, identificá-los no trânsito sem a
intervenção humana ou a necessidade de pará-los (saiba
mais).
A idéia tem seu lado positivo. Quando a implantação estiver concluída,
será possível manter em operação o equivalente a numerosas blitze
policiais, só que eletrônicas, permanentes e sem prejuízo ao tráfego.
Veículos roubados e com licenciamento vencido serão flagrados com
facilidade. A adulteração de placas com fita adesiva, por exemplo
(como temos visto no noticiário), perderá o sentido, pois a verdadeira
identidade do carro estará à vista. Também será mais difícil a
"clonagem" de veículos, o uso criminoso de uma placa igual à de um
carro idêntico. E a fiscalização de infrações será fortalecida.
O SINIAV, por outro lado, já começa a provocar polêmica. Advogados
estranham a tendência de ampliar a vigilância e temem uma invasão da
privacidade dos motoristas. Entre eles estão autoridades no assunto
como Ciro Vidal, ex-diretor do Detran em São Paulo, hoje presidente da
Comissão de Assuntos e Estudos sobre Direito de Trânsito da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB-SP). "Isso não está me cheirando bem, vamos
ver quantas empresas podem fazer isso", disse Vidal ao jornal O
Estado de S. Paulo.
Ao que parece, o assunto ainda renderá muita discussão. Pessoalmente
não vejo risco à privacidade, já que o Estado poderá apenas monitorar
as vias públicas pelas quais o veículo passar. Se a atual placa de
licença já está aparente todo o tempo, que diferença faz haver uma
"placa eletrônica"? É claro que o monitoramento constante de um
veículo hoje é inviável, mas não impossível nem ilícito. Portanto, sua
viabilização por um sistema eletrônico não me parece irregular.
De qualquer forma, é fácil imaginar um cenário de Big Brother para o
futuro breve. Para quem não sabe, meio século antes de denominar o
fútil programa da TV, o "grande irmão" era um ente criado por George
Orwell em seu livro 1984, publicado em 1949. Na sociedade
descrita na obra, um ditador com feições que lembram as de Joseph
Stalin (o todo-poderoso primeiro-ministro da URSS) monitorava tudo e
todos por meio de câmeras, aparecendo em telas como as de TV com a
mensagem Big Brother is watching you (o Grande Irmão está de
olho em você).
Transpondo isso para o trânsito, pode-se prever um implacável
monitoramento de infrações. Deve se tornar difícil escapar ao absurdo
e ilegal rodízio de veículos da capital paulista, ou de qualquer
restrição do gênero, por meio de rotas menos fiscalizadas por agentes
de trânsito. Não se falou, aliás, se a localização das antenas
leitoras terá de ser informada na via, como ocorre hoje com a presença
de detectores de velocidade.
Em rodovias, será possível às autoridades controlar a velocidade de
cada carro pela média, medindo o tempo decorrido entre dois pontos.
Exagero? Não quando o diretor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran),
Alfredo Peres da Silva, admite que foi calculado pelo sistema o tempo
que o motorista levou para ir de um ponto a outro em um teste piloto
feito em São Paulo. Com isso, o motorista que passar do limite por
algum tempo, por qualquer razão — como ao acelerar para escapar de um
caminhão que vem rápido em uma descida —, terá de compensar o excesso
rodando devagar, abaixo da corrente de tráfego. Em vez de ganho em
segurança, tem-se uma perda cada vez que isso acontece.
Pode-se argumentar que as leis existem para ser cumpridas, o que perde
força diante dos limites de velocidade hipócritas espalhados pelo
País. Os paulistas que descem ao litoral pela Rodovia dos Imigrantes,
ao máximo de 80 km/h, ou voltam de Campos de Jordão pela Floriano
Rodrigues Pinheiro, com limite de 60 km/h, sabem do que estou falando.
É a indústria da multa exacerbada.
Resta esclarecer dois pontos. Um, como ficarão os veículos fora da
lei, cujos proprietários já não pagam licenciamento ou IPVA e,
presume-se, não se preocupam com a manutenção do carro e o cumprimento
das normas de trânsito. Quando um deles passar pelas antenas e for
identificada a ausência da placa eletrônica, o que se vai fazer?
Emitir mais e mais multas que nunca serão pagas?
Outro, se o sistema será confiável contra violações. Como argumentou o
leitor Lisiong
Lee, de São Paulo, "hoje mudam hodômetros eletrônicos, inutilizam
rastreadores por rádio e satélite com bloqueio do motor, clonam
celulares apesar de uma lista negativa nas empresas telefônicas.
Quantas semanas vai demorar até que o camelô da esquina ofereça uma
etiqueta eletrônica falsificada?"
O Big Brother do trânsito tem seus prós, mas também numerosos contras. E ambos
precisam ser bem estudados. |