Não
restam mais dúvidas: o carro com motor
flexível em combustível tomou conta do mercado brasileiro. A
tendência vinha apontando já há algum tempo, mas hoje conta com
números expressivos. Com as vendas de setembro, os flex
superaram pela primeira vez no acumulado do ano os modelos a gasolina
(562.717 ante 544.106 unidades). Sua participação no mercado vem
crescendo a passos largos: de 26,9% em janeiro (eram 21,6% na média de
2004) passou a 65,8% em setembro — praticamente dois a cada três
automóveis que vêm às ruas.
Diante desse quadro, é natural que todos os fabricantes estejam
trabalhando nesses motores. Alguns, como a General Motors, a Fiat e a
Volkswagen, já os estenderam a quase toda sua linha nacional. A Ford
(estranhamente, pois tem longa tradição com álcool e foi a primeira a
mostrar um protótipo flexível, um Fiesta, em 2002) e as francesas
Peugeot, Citroën e Renault andam um pouco mais devagar, o que no caso
destas se explica pela engenharia mais concentrada no país de origem e
a falta de experiência com o combustível vegetal, já que ele pouco
representava quando elas chegaram ao mercado, na década passada.
As japonesas Honda e Toyota é que estão demorando demais, pelos mesmos
motivos — e, pode-se apostar, pelo estilo administrativo nipônico de
analisar longamente antes de tomar decisões. Mas também influi o fato
de ambas concentrarem esforços no segmento superior de carros
nacionais, acima de R$ 50 mil. Ao menos em teoria, para esse tipo de
consumidor a economia obtida no custo por quilômetro rodado é menos
importante que para o comprador típico de um modelo de 1,0 litro. De
qualquer modo, o primeiro flexível nipônico chega no próximo ano, o
Fit.
Enquanto conquistam espaço — há quem aposte que assumirão 100% da
produção para o mercado interno em algo como dois anos —, os flex
evoluem. Um de seus maiores desafios é obter uma taxa de compressão
que aproveite melhor a resistência do álcool à
detonação, o que beneficia consumo e
desempenho. Se o pioneiro Gol, em março de 2003, havia dado o vexame
de usar apenas 10:1 — taxa similar à do Gol a álcool arrefecido a ar
de 20 anos antes —, o quadro começou a melhorar com o 2,0-litros da GM
(11,6:1), depois com o 1,6 da Ford (12,3:1), passou ao 1,0 da mesma GM
(12,6:1 — a mesma do VHC a gasolina, porém) e, finalmente, o da VW
introduzido esta semana no Gol, que chega a 13:1. De vez em quando,
porém, uma marca recai nas taxas já superadas, como no novo Vectra
2,4, com apenas 10,1:1. E lá vai álcool desperdiçado.
Os fabricantes ainda precisam trabalhar em outros quesitos. Partida a
frio é um deles: além do inconveniente reservatório de gasolina junto
ao motor (que exigiu até novo teste de impacto no C3 Flex, diz a
Citroën), em dias de inverno nota-se funcionamento irregular nessas
condições, no primeiro minuto de rodagem, em modelos de várias marcas.
Não menos incômoda é a reduzida autonomia dos flex ao rodar com
álcool, como faz a maioria dos donos na região Sudeste do País (em
outras regiões o preço desse combustível pode não compensar o maior
consumo). O Vectra 2,4 é mais uma vez um caso típico: pode não chegar
a 250 quilômetros entre abastecimentos, conforme a condição de uso.
Convenhamos, isso está mais para autonomia de carro a gás natural. É
inaceitável.
Tudo porque nenhum fabricante, até agora, adequou a capacidade do
tanque ao consumo de álcool, em média 30% maior que o de gasolina. Na
década de 1980, muitos devem se lembrar, a situação era outra. À
medida em que o combustível vegetal ganhava mercado, tanques maiores —
como os excelentes de 65 litros no Escort e 60 no Kadett e no antigo
Passat — substituíam aqueles da faixa de 45 a 50 litros, pensados para
uso de gasolina. O do Tempra comportava 75 litros, em um carro menor
que o novo Vectra, que só leva 52. Hoje — podem alegar os fabricantes
— uma ampliação é mais difícil, pois envolve até a segurança em
impactos, que na época passava despercebida. Mas é um problema que
cabe ao fabricante resolver, não ao cliente. |