Obstáculos aos flexíveis

Modelos a gasolina/álcool evoluem e já são dois terços do
mercado, mas têm alguns problemas a ser solucionados

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorNão restam mais dúvidas: o carro com motor flexível em combustível tomou conta do mercado brasileiro. A tendência vinha apontando já há algum tempo, mas hoje conta com números expressivos. Com as vendas de setembro, os flex superaram pela primeira vez no acumulado do ano os modelos a gasolina (562.717 ante 544.106 unidades). Sua participação no mercado vem crescendo a passos largos: de 26,9% em janeiro (eram 21,6% na média de 2004) passou a 65,8% em setembro — praticamente dois a cada três automóveis que vêm às ruas.

Diante desse quadro, é natural que todos os fabricantes estejam trabalhando nesses motores. Alguns, como a General Motors, a Fiat e a Volkswagen, já os estenderam a quase toda sua linha nacional. A Ford (estranhamente, pois tem longa tradição com álcool e foi a primeira a mostrar um protótipo flexível, um Fiesta, em 2002) e as francesas Peugeot, Citroën e Renault andam um pouco mais devagar, o que no caso destas se explica pela engenharia mais concentrada no país de origem e a falta de experiência com o combustível vegetal, já que ele pouco representava quando elas chegaram ao mercado, na década passada.

As japonesas Honda e Toyota é que estão demorando demais, pelos mesmos motivos — e, pode-se apostar, pelo estilo administrativo nipônico de analisar longamente antes de tomar decisões. Mas também influi o fato de ambas concentrarem esforços no segmento superior de carros nacionais, acima de R$ 50 mil. Ao menos em teoria, para esse tipo de consumidor a economia obtida no custo por quilômetro rodado é menos importante que para o comprador típico de um modelo de 1,0 litro. De qualquer modo, o primeiro flexível nipônico chega no próximo ano, o Fit.

Enquanto conquistam espaço — há quem aposte que assumirão 100% da produção para o mercado interno em algo como dois anos —, os flex evoluem. Um de seus maiores desafios é obter uma taxa de compressão que aproveite melhor a resistência do álcool à detonação, o que beneficia consumo e desempenho. Se o pioneiro Gol, em março de 2003, havia dado o vexame de usar apenas 10:1 — taxa similar à do Gol a álcool arrefecido a ar de 20 anos antes —, o quadro começou a melhorar com o 2,0-litros da GM (11,6:1), depois com o 1,6 da Ford (12,3:1), passou ao 1,0 da mesma GM (12,6:1 — a mesma do VHC a gasolina, porém) e, finalmente, o da VW introduzido esta semana no Gol, que chega a 13:1. De vez em quando, porém, uma marca recai nas taxas já superadas, como no novo Vectra 2,4, com apenas 10,1:1. E lá vai álcool desperdiçado.

Os fabricantes ainda precisam trabalhar em outros quesitos. Partida a frio é um deles: além do inconveniente reservatório de gasolina junto ao motor (que exigiu até novo teste de impacto no C3 Flex, diz a Citroën), em dias de inverno nota-se funcionamento irregular nessas condições, no primeiro minuto de rodagem, em modelos de várias marcas. Não menos incômoda é a reduzida autonomia dos flex ao rodar com álcool, como faz a maioria dos donos na região Sudeste do País (em outras regiões o preço desse combustível pode não compensar o maior consumo). O Vectra 2,4 é mais uma vez um caso típico: pode não chegar a 250 quilômetros entre abastecimentos, conforme a condição de uso. Convenhamos, isso está mais para autonomia de carro a gás natural. É inaceitável.

Tudo porque nenhum fabricante, até agora, adequou a capacidade do tanque ao consumo de álcool, em média 30% maior que o de gasolina. Na década de 1980, muitos devem se lembrar, a situação era outra. À medida em que o combustível vegetal ganhava mercado, tanques maiores — como os excelentes de 65 litros no Escort e 60 no Kadett e no antigo Passat — substituíam aqueles da faixa de 45 a 50 litros, pensados para uso de gasolina. O do Tempra comportava 75 litros, em um carro menor que o novo Vectra, que só leva 52. Hoje — podem alegar os fabricantes — uma ampliação é mais difícil, pois envolve até a segurança em impactos, que na época passava despercebida. Mas é um problema que cabe ao fabricante resolver, não ao cliente.

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Data de publicação: 29/10/05

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