Best Cars Web Site0

A ditadura do prata

A explicação de um executivo para essa incompreensível
massificação do gosto de quem compra um carro novo

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorQualquer um de nós lembra ou, se quiser, pode confirmar pela observação de carros nas ruas com 10 anos ou mais de uso: até a década passada, víamos e comprávamos automóveis em uma ampla variedade de cores, incluindo tons de verde, azul, vermelho e vinho. Hoje, como o leitor ou a leitora certamente já notou, vivemos a ditadura do prata, quando muito somado ao preto, a não ser em veículos de frota e táxis.

É uma "escolha" que dá o que pensar. Não que haja algo de errado com essa cor — pelo contrário. O prata esquenta menos que as cores escuras, torna mais discretos a poeira e até pequenos riscos na carroceria e, afinal, cai bem na maioria dos automóveis. Existe inclusive o charme, mais associado a marcas alemãs, de ser a clássica cor dos carros de competição Mercedes-Benz e Auto Union da década de 1930, os "Flechas de Prata", razão para que a marca da estrela e a Audi — única remanescente das quatro empresas que compunham a Auto Union — gostem de apresentar seus lançamentos em prateado, mesmo na Alemanha.

Também não se trata de preferência apenas brasileira: ao menos nos Estados Unidos o prata também é líder. Mas, embora me faltem dados estatísticos para comprovar, a sensação é de que a coisa por lá está longe da massificação vista por aqui, onde o prata parece superar dois terços até das frotas de carros para avaliação da imprensa — será que nem nas páginas das revistas e dos sites podemos ter variedade? Já o gosto europeu é muito mais eclético, sendo comuns cores vivas, alegres, que no Brasil não costumam durar mais que alguns meses — os chamados tons "de lançamento".

Tenho questionado algumas pessoas a respeito dessa opção. Para parte delas, trata-se de assunto que não requer muita análise: compra o carro zero-quilômetro de qualquer cor que lhe agrade e que esteja disponível na configuração definida, assim como aceita uma geladeira branca e um computador bege-claro sem pensar a respeito. Outras admitem que optaram pela cor "de que todo mundo gosta", para facilitar a futura revenda e diminuir a depreciação.

Para mim, já soa estranho alguém deixar de comprar seu carro — um bem caro, que a maioria mantém por anos e em boa parte dos casos é único em casa — na cor preferida, pensando em ganhar uns trocados quando encostar numa loja para a troca por um modelo novo. Mas curioso mesmo é o que conta a parcela restante, formada por pessoas que gostam de automóvel e que, supostamente, não abririam mão de ter o seu no tom predileto.

A raiz do problema, ao que percebi, está na rede de concessionárias. É fácil perceber que, para um comerciante, toda variedade de opções significa prejuízo: exige maiores estoques ou, em sua impossibilidade, pode levar à perda de um cliente para outra loja que tenha o produto desejado por ele. E o problema não termina na venda: no momento da troca, seria ótimo que o carro recebido como entrada fosse de uma cor bem aceita, para ser revendido mais rápido.

Assim, começa nas concessionárias o convencimento do comprador de que o prata é a cor a ser comprada, seja pela "dica" do vendedor, seja pela oferta cada vez mais reduzida de outras cores nos estoques. O mesmo vale para o progressivo desaparecimento de carros de duas portas, versões esportivas, conversíveis, itens como teto solar e opções de acabamento interno que fujam dos massificados cinza e preto. Tudo o que tem aceitação mais restrita torna-se desinteressante para o revendedor, que tenta desestimular sua compra e, mais tarde, vai impor dificuldades ao cliente que o vier revender à loja.

Parece exagero? Pois é o que contou — in off, ou seja, gravador desligado, o que me impede de dar nomes aqui — o presidente de uma empresa que vende carros importados de luxo no Brasil. Conversávamos sobre certas opções de menor aceitação, como interiores claros e cupês desse segmento, quando ele levantou essa explicação. E o que percebi desde então, nas conversas com quem comprou novo um carro prata, foi de que ele estava plenamente certo.

Atualidades - Página principal - Envie por e-mail

Data de publicação: 6/8/05

© Copyright - Best Cars Web Site - Todos os direitos reservados - Política de privacidade