Qualquer
um de nós lembra ou, se quiser, pode confirmar pela observação de
carros nas ruas com 10 anos ou mais de uso: até a década passada,
víamos e comprávamos automóveis em uma ampla variedade de cores,
incluindo tons de verde, azul, vermelho e vinho. Hoje, como o leitor
ou a leitora certamente já notou, vivemos a ditadura do prata, quando
muito somado ao preto, a não ser em veículos de frota e táxis.
É uma "escolha" que dá o que pensar. Não que haja algo de errado com
essa cor — pelo contrário. O prata esquenta menos que as cores
escuras, torna mais discretos a poeira e até pequenos riscos na
carroceria e, afinal, cai bem na maioria dos automóveis. Existe
inclusive o charme, mais associado a marcas alemãs, de ser a clássica
cor dos carros de competição Mercedes-Benz e Auto Union da década de
1930, os "Flechas de Prata", razão para que a marca da estrela e a
Audi — única remanescente das quatro empresas que compunham a Auto
Union — gostem de apresentar seus lançamentos em prateado, mesmo na
Alemanha.
Também não se trata de preferência apenas brasileira: ao menos nos
Estados Unidos o prata também é líder. Mas, embora me faltem dados
estatísticos para comprovar, a sensação é de que a coisa por lá está
longe da massificação vista por aqui, onde o prata parece superar dois
terços até das frotas de carros para avaliação da imprensa — será que
nem nas páginas das revistas e dos sites podemos ter variedade? Já o
gosto europeu é muito mais eclético, sendo comuns cores vivas,
alegres, que no Brasil não costumam durar mais que alguns meses — os
chamados tons "de lançamento".
Tenho questionado algumas pessoas a respeito dessa opção. Para parte
delas, trata-se de assunto que não requer muita análise: compra o
carro zero-quilômetro de qualquer cor que lhe agrade e que esteja
disponível na configuração definida, assim como aceita uma geladeira
branca e um computador bege-claro sem pensar a respeito. Outras
admitem que optaram pela cor "de que todo mundo gosta", para facilitar
a futura revenda e diminuir a depreciação.
Para mim, já soa estranho alguém deixar de comprar seu carro — um bem
caro, que a maioria mantém por anos e em boa parte dos casos é único
em casa — na cor preferida, pensando em ganhar uns trocados quando
encostar numa loja para a troca por um modelo novo. Mas curioso mesmo
é o que conta a parcela restante, formada por pessoas que gostam de
automóvel e que, supostamente, não abririam mão de ter o seu no tom
predileto.
A raiz do problema, ao que percebi, está na rede de concessionárias. É
fácil perceber que, para um comerciante, toda variedade de opções
significa prejuízo: exige maiores estoques ou, em sua impossibilidade,
pode levar à perda de um cliente para outra loja que tenha o produto
desejado por ele. E o problema não termina na venda: no momento da
troca, seria ótimo que o carro recebido como entrada fosse de uma cor
bem aceita, para ser revendido mais rápido.
Assim, começa nas concessionárias o convencimento do comprador de que
o prata é a cor a ser comprada, seja pela "dica" do vendedor, seja
pela oferta cada vez mais reduzida de outras cores nos estoques. O
mesmo vale para o progressivo desaparecimento de carros de duas
portas, versões esportivas, conversíveis, itens como teto solar e
opções de acabamento interno que fujam dos massificados cinza e preto.
Tudo o que tem aceitação mais restrita torna-se desinteressante para o
revendedor, que tenta desestimular sua compra e, mais tarde, vai impor
dificuldades ao cliente que o vier revender à loja.
Parece exagero? Pois é o que contou — in off, ou seja, gravador
desligado, o que me impede de dar nomes aqui — o presidente de uma
empresa que vende carros importados de luxo no Brasil. Conversávamos
sobre certas opções de menor aceitação, como interiores claros e cupês
desse segmento, quando ele levantou essa explicação. E o que percebi
desde então, nas conversas com quem comprou novo um carro prata, foi
de que ele estava plenamente certo. |