Dentro do que se
poderia chamar de "reunião de pauta adaptada à era da internet", eu
conversava esta semana com o colunista Bob Sharp, pelo Skype, sobre o
tema que ele escolhera para sua coluna Do Banco do Motorista.
Definimos que, se ele ficara com o assunto dos carros "aventureiros",
este Editorial trataria de algo diferente. Mas não resisti em
abordar um tema semelhante, só que com outro enfoque.
Embora possa parecer nova, a mania de "carros de fachada", como Bob bem
define na coluna, existe aqui há muito tempo. Lembra-se o leitor dos
picapes japoneses — Toyota Hilux e Mazda B-2200, por exemplo — com
tração apenas traseira, rodas pequenas e suspensão baixa, que aqui
chegaram na década passada? Depois de muitas críticas, os fabricantes
passaram a oferecer as versões 4x2 com a mesma altura de rodagem dos
4x4. O maior vão livre não tinha utilidade, dada a inadequação dos
veículos ao uso longe do asfalto, mas passava a imagem de veículo
robusto, valente. S10 e Ranger, aliás, iniciaram a produção brasileira
já com o chassi das versões 4x4, embora o modelo da GM demorasse três
anos para ganhar essa versão de fato.
Se o leitor observar, a indústria de motos já trabalha assim há bem mais
tempo. Não demorou muito para notar que motos de uso misto, como as
pioneiras Yamaha DT 180 e Honda XL 250 R, eram mais usadas na cidade que
nas trilhas. Assim, por volta de 1990 já eram lançadas opções com jeito
de uso misto, mas dotadas de partida elétrica (sem pedal, um problema no
fora-de-estrada), frágeis carenagens e até pára-lama dianteiro junto à
roda, como as NX 150/200 e Sahara 350, da Honda, ou a Yamaha Ténéré 600
reestilizada.
Da mesma forma que esses picapes e essas motos transmitiam uma impressão
de aventura que não correspondia a suas capacidades, houve muitos
automóveis que prometiam uma esportividade incompatível com seu
verdadeiro desempenho. Foi assim com a maioria dos chamados "fora-de-série",
produzidos em plástico reforçado com fibra-de-vidro sobre a mecânica
Volkswagen "a ar", totalmente inadequada a esse propósito. Do famoso
Puma aos menos conhecidos, eram todos decepcionantes em potência, a não
ser que extensamente modificados.
A própria VW tem em seu currículo um carro esporte morto pelo baixo
desempenho. Projetado no Brasil e reconhecido até pelo museu da empresa
na Alemanha como uma criação a ser lembrada, o SP2 teve sua sigla
traduzida pelo público como "sem potência" e vendeu muito pouco. Se a
versão de 1,7 litro já não agradou, a outra — SP1, de 1,6 litro — foi
abortada logo no lançamento, para evitar um fiasco ainda maior.
Não poderia faltar uma menção a boa parte dos carros personalizados que
se vêem por aí. Mais do que potência, muitos só querem o visual
esportivo, chegando a absurdos como aplicar larguíssimos pneus e rodas
de 17 pol ou mais a um carro com motor de 1,0 litro. O objetivo, como
nos casos anteriores, é transmitir uma impressão, uma imagem — não
importa se ela corresponde ao que o veículo oferece na prática.
Contrariando a propaganda do refrigerante, imagem é, sim, tudo para
muitos consumidores. É uma pena que, quando a sede aperta, o conteúdo da
latinha pode trazer uma grande decepção. |