Preço em alta, qualidade em baixa

A notícia de que 60% dos postos adulteram a gasolina chega em
um momento de grande insatisfação com as contínuas altas de preços

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorO que pode ser pior que pagar caro pelos combustíveis e ainda ver a Petrobrás anunciar que, tão logo conclua seus estudos, repassará aos preços os recentes aumentos do petróleo no mercado mundial?

A resposta: saber que mais da metade da gasolina vendida por aí é adulterada, com excesso de álcool e/ou mistura de solventes.

A notícia é de estarrecer: 60,9% dos 238 postos analisados na Grande São Paulo pelo Departamento de Inteligência da Polícia Civil do Estado vendem gasolina adulterada, veiculou nesta quinta-feira O Estado de S. Paulo. O volume da pesquisa corresponde a 10% dos estabelecimentos dessa região metropolitana, amostragem suficiente para deixar qualquer um preocupado e com a sensação de estar desprotegido desse verdadeiro crime.

A impressão é de que, no Brasil, quem tem carro é considerado inimigo público número 1. Não bastasse a obscena carga tributária que as três esferas de governo nos impõem, da compra do veículo à sua circulação, ainda temos de suportar esse binômio alto preço—baixa qualidade de combustíveis por adulteração. E as autoridades, quando consultadas a respeito, parecem preocupadas apenas com a evasão fiscal, não com os prejuízos ao bolso do contribuinte.

Há poucos dias vimos um aumento de 14% para o álcool, repetição de uma história de sobe-e-desce que se tem repetido anualmente. O combustível vegetal, que para alguns é a salvação da humanidade — talvez salve apenas as finanças dos usineiros —, torna-se barato em meados do ano, a ponto de levar muita gente boa a procurar "conversões" que permitam usufruir um pouco dessa economia.

Desde o ano passado há o fator adicional dos carros flexíveis em combustível, de cuja publicidade participa até associação de produtores de álcool. Mas chega o fim de cada ano e o brasileiro, embora já acostumado, outra vez se surpreende com a paulada dos aumentos desse produto. O preço atual está próximo de eliminar sua vantagem no custo por quilômetro em relação à gasolina, mas há um novo fator à espera.

Em função da recente valorização do petróleo no mercado mundial, a Petrobrás estuda os aumentos que fará na gasolina e no diesel dentro de alguns dias. O fato de produzirmos a grande maioria do que consumimos — e estarmos próximos da auto-suficiência — não importa: o "ouro negro", como todas as commodities, tem seu preço balizado pelo mercado internacional. Só que o pessoal de Brasília parece desconhecer que os brasileiros não ganham em dólar e que os combustíveis já estão caros demais para nosso padrão salarial.

Na Venezuela, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, não existe essa vinculação: os preços internos independem do mercado exterior. E, se por aqui essa dependência não puder ser mudada, por que não reduzir os pesadíssimos impostos — por volta de 50% da gasolina — para que os preços finais possam ser mantidos? Ou é preciso explicar aos homens do Planalto Central como os aumentos dos combustíveis afetam toda a cadeia produtiva, alimentam a inflação e, por extensão, prejudicam até quem não tem carro?


P.S.: A Petrobrás anunciou na tarde de hoje (12/11), após a publicação do Editorial, um crescimento de 43% nos lucros do segundo para o terceiro trimestre do ano. E informou que não vai repassar para o mercado interno as oscilações de preço do petróleo no exterior. Menos mal.

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Data de publicação: 13/11/04

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