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Fabrício Samahá - edição de 15 de novembro de 2003 |
Quem tem mais de 30 anos ou — como eu — acompanha o mercado de
automóveis desde criança se lembra: até 1990, nossos carros do segmento
de entrada tinham motores entre 1,3 (Uno) e 1,6 litro (Gol, Escort,
Chevette). As poucas exceções, como o Uno S 1,05 e o Gurgel BR-800,
pouco representavam em vendas. E todos tínhamos direito a sair com
agilidade quando o semáforo abria, sem ter de esgoelar o motor até o
limite de rotações.
Em 1990, atendendo a uma sugestão (lobby, diriam as más línguas)
da Fiat, o governo Collor reduzia o IPI (Imposto sobre Produtos
Industrializados) dos motores até 1,0 litro. O que aconteceu depois está
nas ruas à vista de todos: empurrados pelo benefício fiscal, os carros
"mil" conquistaram até 75% do mercado, ganharam mais de 50% de potência
(de 50 para 76 cv, no caso do Gol de
aspiração natural) e versões superalimentadas com turbo (Gol,
Parati) ou compressor mecânico (Fiesta, EcoSport).
O desenvolvimento tecnológico parecia ter deixado para trás os
inconvenientes da baixa cilindrada, mas só parecia. À honrosa exceção do
Gol Turbo — que não tem preço de 1,0-litro, porém —, esses carros
padecem de respostas lentas e exigem câmbios de relações curtas para que
sejam mantidos em faixa operacional adequada, a de rotações mais altas,
onde alguma potência enfim se manifesta.
Claro, há carros 1,0 bem razoáveis, como Mille, Ka e Celta, os mais
leves do mercado. Mas ande num novo Corsa ou Fiesta, Palio Weekend ou
Fox dessa cilindrada e descobrirá o que uma redução de impostos
conseguiu fazer com seu prazer de dirigir.
É por isso que tem sido uma satisfação conhecer os novos motores da
faixa de 1,25 a 1,4 litro. Foram quatro este ano: Celta, C3 (ambos 1,4),
Fit (1,35) e agora o Palio Flex 1,25, nova versão de um motor conhecido.
Em comum, o desempenho bem distribuído por toda a faixa de uso,
respostas satisfatórias desde baixa rotação, relações de marcha
relativamente longas (à exceção do Celta, mesmo assim melhor que o
curtíssimo 1,0) e a capacidade de viajar sem incomodar pelo nível de
ruído. Além de serem eficientes e econômicos — em alguns casos, mais que
os próprios "mil".
São motores com um gostinho de Europa, onde os modelos de baixa
cilindrada respondem por importante segmento, mas os 1,0-litro são
exceção. A prática já provou que essa cilindrada é baixa demais para
proporcionar desempenho razoável em um país com nossa topografia,
sobretudo nos carros mais recentes, que ficam mais pesados com os
reforços estruturais e itens de segurança — o Palio, por exemplo, acaba
de ganhar 30 kg em sua reestilização. Um novo Fiesta 1,0 pesa 1.032 kg,
quase tanto quanto um carro médio da década de 80.
Com a boa aceitação que se espera, os motores 1,25 a 1,4 tendem a se
tornar mais comuns. A PSA, Peugeot-Citroën, ganharia muito estendendo
seu 1,4 de 75 cv ao 206, que toma emprestado da Renault o 1,0 de 70 cv.
Na GM, nada mais natural que o novo Corsa receber o bom 1,4 de 85 cv do
Celta, abandonando o 1,0 VHC de 71 cv, que só entrega potência à beira
do corte de injeção, a 6.400 rpm. E a Fiat faria bem em adotar o 1,25
Flex de 71 cv no Palio Fire (que responde por mais de 70% das vendas do
modelo) e no Mille.
Como efeito colateral, o veterano e ainda saudável Uno teria de
reconquistar este nome, que abandonou em 1993 para se tornar apenas
Mille (mil em italiano). Mas seria um preço pequeno a pagar pela
satisfação de dirigir carros pequenos e ágeis, com torque suficiente
para todas as situações de tráfego, como no Primeiro Mundo.
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