Consultório de Preparação
por Iran Cartaxo
Gol 1,8: booster e turbo
de entrada rápida
Tenho intenção de instalar um
turbocompressor em um Gol GL 1.8 Mi. Tomei conhecimento de um
dispositivo que permite usar duas pressões diferentes no turbo,
selecionando-as em um botão no painel. Gostaria que falassem de
tal dispositivo. Pretendo usar pressões de 0,5 e 0,8 kg/cm2
e gostaria de um turbo que entrasse logo em funcionamento. Para
isso seria possível usar um turbo desenvolvido para motores
menores (como o 1.4 do Uno ou até para motores 1.0), já que
seriam mais leves e teriam menos inércia a ser vencida? Pretendo
usar também um intercooler. Gostaria de saber as estimativas de
potências e desempenho sem e com o intercooler.
Há a necessidade de se alterar o chip da injeção eletrônica?
Caso seja recomendado o aumento da injeção de combustível, há
possibilidade de o combustível adicional (especialmente em
baixas rotações, quando o turbo ainda não manda ar suplementar
para queimar o combustível adicional) causar dano ou redução
da vida útil do catalisador? Caso deseje alongar as relações
de 4a e 5a
marchas e torná-las semelhantes às do Gol CL atual, deveria
trocar o câmbio ou é possível trocar apenas as
engrenagens dessas marchas?
Em uso rotineiro, sem forçar o motor, haverá grande aumento no
consumo? Gostaria de estimativas de custo de cada item da
preparação.
Desde já gostaria de agradecer a oportunidade de tirar dúvidas
e o deleite que nos oferecem com este espetacular Consultório de
Preparação. Nunca vi nada parecido em qualquer publicação
especializada nacional. É incrível a riqueza de detalhes, a
honestidade, os bons conselhos e o alto nível de conhecimento
com que são fornecidas as respostas. Vocês estão turbinados na
frente de outras publicações tradicionais, é só manter o
controle do padrão de qualidade e a presteza, além de mais
divulgação, que vocês serão os primeiros.
Fernando Assis Silva
fassis@dedalus.lcc.ufmg.br
Belo Horizonte, MG
O turbo é sempre um bom recurso para aumentar a potência de um
motor. Existem muitas opções de configuração e uma variedade
enorme de acessórios que podem ser adicionados, daí haver
tantas dúvidas em torno do turbo.
Há mesmo um dispositivo que permite usar duas regulagens de
pressão no turbo, o booster. Nada mais é que uma
válvula solenóide que altera a regulagem da válvula de
alívio, responsável por limitar a pressão máxima do turbo.
Com o booster pode-se conseguir uma regulagem de duas
pressões como a desejada por você, Fernando, sem maiores
problemas, desde que não se exagere no uso da pressão mais alta
(clique aqui para saber mais).
As curvas de potência (as mais altas) e de torque estimadas para o Gol 1.8 Mi original (em azul), com turbo a 0,5 kg/cm2 sem intercooler (em rosa), com a mesma pressão e intercooler (em verde), e com o booster regulado para 0,8 km/cm2 (em vermelho)
Clique aqui para ver as curvas de potência e torque ampliadas
Quando os carros eram equipados com carburador o recurso do booster
era muito usado, pois era muito simples sua adaptação ao
carburador. Com o advento da injeção o equipamento caiu em
desuso, pois muitos preparadores não sabem como adaptar a
injeção para fornecer o combustível extra necessário quando o
booster entra em funcionamento. Explica-se: o turbo
promove uma aumento da vazão de ar consumida pelo motor, sendo
então necessário adaptar a injeção para fornecer combustível
para esta quantidade adicional de ar, além de adaptar a curva de
ignição às novas condições de funcionamento. Mas a injeção
só pode ter uma programação; logo, se o preparador a regular
para funcionar com 0,5 kg/cm2,
ela não fornecerá o combustível necessário nem obedecerá à
curva de ponto correta quando o booster entrar em ação
e a pressão subir para 0,8 kg/cm2.
Mas com tecnologia tudo se torna possível. A solução mais
usada nestes casos é remapear a injeção para funcionar com a
pressão mais baixa, no caso 0,5 kg/cm2,
e colocar uma caixa de gerenciamento de injeção e ignição,
ajustada para operar com a pressão do booster, acionada
por um pressostato regulado para 0,51 kg/cm2.
A partir desta última pressão até 0,8 kg/cm2,
a caixa de gerenciamento procederia os ajustes necessários para
operar com a maior pressão. Este tipo de adaptação do booster,
junto de todos os materiais necessários (incluindo a caixa
extra), custa por volta de R$ 600.
A solução apontada por você, Fernando, para que o turbo entre
em operação mais cedo é correta. Realmente deve-se optar por
turbinas menores, mais leves e com menor inércia, mas não se
pode exagerar. Usar um turbo apropriado a um carro 1.000 num
motor 1.800 causaria overspeed (rotação acima do
limite) no turbo, pois como o motor maior consome muito
mais ar, a turbina deverá girar com muito maior velocidade para
atingir a mesma pressão de operação. Isso sem falar na
restrição no fluxo do escapamento causada por uma turbina tão
pequena.
O que deve ser feito é optar por um turbo leve, que pode ser um
desenvolvido para motores 1.600; manter a taxa de compressão
original, para que haja bastante pressão nos gases de
escapamento; e usar de preferência um turbo bipulsativo, que
entra em operação bem mais cedo que o convencional. Pode-se
obter uma entrada em operação a apenas 200 rpm acima da
marcha-lenta, com pressão máxima já 1.000 rpm acima da
marcha-lenta. Exemplo desse acerto num turbo de fábrica é o
motor de 1,8 litro dos Audi A3 e A4, cujo torque máximo se
verifica já a partir de 1.750 rpm.
A injeção deve ser programada para só fornecer combustível
extra em rotações nas quais o turbo já está operando, e de
modo proporcional à pressão fornecida em cada rotação -- por
isso a preocupação com o booster e a necessidade de
uma caixa de gerenciamento. Assim não há risco de danos ao
catalisador por excesso de combustível.
Simulamos a adaptação de um turbo sem intercooler regulado para
0,5 kg/cm2 e sem booster
(pois o intercooler é muito recomendado para pressões mais
altas que essa), um turbo com intercooler e 0,5 kg/cm2, e o mesmo turbo com o booster
acionado, aumentando a pressão para 0,8 kg/cm2.
O custo do kit turbo sem intercooler, junto do remapeamento
necessário, é de cerca de R$ 1.200. O intercooler sai por volta
de R$ 250 e vale seu preço, pois contribui para proteger o motor
contra detonação e aumenta a potência fornecida.
Este é o desempenho estimado:
0,5 kg/cm2 sem intercooler | 0,5 kg/cm2 com intercooler | 0,8 kg/cm2 (booster) | |
Potência máxima | 147 cv | 152 cv | 186 cv |
Rotação de potência máxima | 5500 rpm | 5500 rpm | 5500 rpm |
Velocidade máxima | 204 km/h | 206 km/h | 220 km/h |
Rotação à velocidade máxima | 6150 rpm | 6225 rpm | 6650 rpm |
Aceleração de 0 a 100 km/h | 8,3 s | 8,0 s | 6,6 s |
Torque máximo | 22,5 mkgf | 23,3 mkgf | 28,4 mkgf |
Rotação de torque máximo | 3000 rpm | 3000 rpm | 3000 rpm |
Alongamento recomendado na relação de transmissão | 11,9 % | 13,2 % | 20,9 % |
Aumento recomendado na injeção de combustível | 41,7 % | 41,7 % | 66,7 % |
Aceleração longitudinal no interior do veículo | 0,74 g | 0,77 g | 0,94 g |
A margem de erro é de 5% (para cima ou para baixo), considerando-se instalação bem-feita. Calculamos a aceleração de 0 a 100 km/h e a aceleração longitudinal máxima (sentida no interior do automóvel) a partir da eficiência de transmissão de potência ao solo do carro original. Para atingir os resultados estimados pode ser necessária a recalibragem da suspensão, reforços no monobloco e/ou o emprego de pneus mais largos. A velocidade máxima estimada só será atingida com o ajuste recomendado da relação final de transmissão. Os resultados de velocidade são para velocidade real, sem considerar eventual erro do velocímetro. A rotação à velocidade máxima é calculada considerando a relação atual de transmissão. |
Algoritmo de
simulação de preparação de motores desenvolvido pelo
consultor Iran Cartaxo, de Brasília, DF. |
Pode-se trocar somente as engrenagens da 4a
e 5a marchas,
assim como o diferencial. Obtém-se assim um câmbio igual ao do
Gol de 1,6 litro, mais apropriado para o turbo, pois propicia
tempo suficiente entre as trocas de marcha para a reaceleração
da turbina. O consumo poderá ser até menor que o original após
o alongamento da transmissão, pois o torque do motor turbo
permitirá manter rotações mais baixas à mesma velocidade. Mas
isso vai depender muito de seu estilo de direção e das
condições de tráfego.