A "velha senhora" vai firme. Não há nada nem ninguém capaz de
ameaçar o reinado da Volkswagen Kombi no segmento dos furgões
comerciais leves no Brasil. Tanto é que ela está aí, quase igual
como veio ao mundo, na distante década de 1950. E talvez seja por
esse paradoxo que eu goste tanto do comercial que analisamos nesta
edição.
A forma simplificada e inteligente de sua execução marcou o
lançamento da linha 1997 da Kombi, que vendia como novidade as
pequenas modificações no teto e a porta de correr que a Alemanha viu
nascer no começo da década de 1970. É isso que mais me atrai nesse
filme: a maneira genial de quebrar paradigmas com relação ao velho e
o novo, implodindo estereótipos de tal maneira que aquele que se
julgue mais inteligente conclua, depois do filme, ser o mais
perfeito panaca e maria-vai-com-as-outras...
A começar pelo próprio carro: que garoto, em sã consciência,
desejaria ter uma Kombi? Qual é o óbvio? O óbvio é desejar ser
bem-sucedido, não? Mas, o que é ser bem-sucedido?
Essa brincadeira, que parece inocente porque é dita pela boca de
duas crianças, revela uma faceta bem direta da natureza dos
relacionamentos humanos. São dois garotinhos: um bonitinho e outro,
nem tanto... O foco da propaganda é a maneira como os dois meninos
enxergam o carro como um instrumento.
No primeiro caso — o do garoto bonitinho —, ele indiretamente diz
que quer conquistar uma mulher sensacional quando crescer. Para isso
ele usa como instrumento um carrão importado, conversível. Faz o
estereótipo magnata, de terno e anel no dedo. Tudo isso com ar de
deboche, claro. Afinal, qualquer desejo diferente desse soaria como
a mais tola insensatez no modelo mental estipulado como "normal" no
universo masculino de poder e dominação. |
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E
não é que o garoto dentucinho vira a mesa? "Quando crescer eu quero
ter uma Kombi". O amigo fica desconcertado, mas logo entende quem
foi que se deu bem. Claro que o dentuço sabia que não precisava de
um carro para conquistar garotas. O que ele precisava mesmo era de
um carro que tivesse espaço interno capaz de guardar todo o
"resultado" de suas conquistas.
É um contraponto entre a inteligência e a aparência. Um precisa do
carro como "instrumento", pois não se sente capaz de conquistar
mulheres sozinho. Outro, embora feinho, sabe que precisa do carro
tão somente para fazer a função de um carro, porque sabe bem
aonde quer chegar e conhece a diferença entre aparência e
consistência.
Isso era uma espécie de cutucada que a VW pareceu dar nos
utilitários asiáticos, que invadiam o mercado àquela ocasião e
atraíam os consumidores por suas linhas mais simpáticas que as da
decana Kombi, ou por vantagens em conforto e segurança, mas em
possível detrimento da robustez. De fato, tal qual uma tartaruga de
Galápagos, o jurássico furgão resiste bravamente sem maiores
mudanças, enquanto vê várias gerações de utilitários nascerem e
morrerem.
Esse filme é de 14 anos atrás. Quando vejo Kombis zero-quilômetro
ainda cruzarem meu caminho na rua, penso se a VW não estava
realmente certa. Barata, ela não é. Moderna, muito menos. Atraente,
nem pensar. Mas, com todas aquelas mulheres, acho que quero mesmo é
ter uma Kombi. |
Ele não
precisava de um carro para conquistar garotas, mas de um carro com
espaço para todo o "resultado" de suas conquistas |