Até quando aguenta esse coração…

Ao reviver (mais uma vez) o passado na campanha do Camaro,
a Chevrolet mostra-se como a Antarctica dos automóveis

por Kleber Nogueira

Na semana passada a Chevrolet surpreendeu os amantes de carros — e os admiradores da marca — com a campanha de lançamento do Camaro no Brasil.

Que belo carro, o Camaro SS. Quando vi a "flecha amarela" cruzando minha TV num dia desses, à noite, foi impossível não ficar preso, com a atenção monopolizada naquele clipe. Imediatamente me deixei levar pela música e pelo conjunto de imagens, tentando captar quais eram as emoções que surgiriam em mim. Elas, certamente, me falariam muito sobre a marca Chevrolet — talvez nem tanto sobre o Camaro em si, já que o produto é novo no País.

Fiquei curioso com o teaser (na linguagem publicitária, algo que capta sua curiosidade e o faz esperar pelo produto completo) que dizia "continua no intervalo do Fantástico", um dos programas de maior audiência no horário nobre dominical. Certamente seria algo especial. O que logo me chamou a atenção foi escutar de novo aquela música no fundo, criada pelo compositor Zé Rodrix: "É no silêncio de um Chevrolet... que o meu coração bate mais alto…".

Então, devo confessar que me desanimei um pouco. Poxa, lá vem a Chevrolet, de novo, remexer o passado para se recriar. Não que isso seja ruim em sua essência — pelo contrário. Quanta tradição tem essa marca centenária! Quanta história e quanto sucesso. Que história de amor têm tantos brasileiros com a Chevrolet... Mas, quando escuto essa música ou vejo a campanha publicitária, o único sentimento que me vem à cabeça é saudade — e aí o desgosto, inevitável, é maior.

Isso tem um significado emblemático. A saudade é um sentimento nostálgico, uma lembrança de algo que foi bom, de coisas passadas que foram positivas. A saudade do passado ganha mais força se o presente não corresponde à satisfação que fora vivida. Ninguém tem saudade se o passado foi ruim, não é mesmo? Ou, analogamente, o passado não interessa tanto se o presente é igualmente satisfatório.

Não teríamos o prazer de dar boas risadas ao ver a Fiat regurgitar, em seus filmes de hoje, aquela imagem do Uno italiano sendo lançado no Cabo Canaveral, em 1983. Aquilo é que era associação com o futuro. Puxa, como o tempo passa! Se você vê o Mille hoje, ele não mais pode ser associado a algo moderno, porque o tempo passou, o mundo girou e até mesmo o Cabo Canaveral não é mais o principal polo tecnológico do mundo. Mas uma marca precisa se renovar, porque as novas gerações não param. As crianças de hoje serão compradores de carros amanhã.

Veja: o nome Uno volta, mas um novo conceito foi criado. O passado não foi apagado: ele está lá, ocupando seu lugar (nas concessionárias Fiat inclusive — com perdão pela piada), mas não impediu a eclosão do novo. Agora, quando você não consegue conquistar o futuro porque está preso ao passado, isso torna-se patológico para a marca.

Responda rápido: se você tem lá seus trinta e poucos anos, quando abre o baú e vê aquelas fotos antigas dos aniversários de quatro, cinco anos, qual era a cerveja que dominava a mesa? Antarctica, não é mesmo? A marca Antarctica tinha, no passado, a visibilidade e a "juventude" que a marca Skol, por exemplo, tem hoje. Quem tomava Antarctica naquela época envelheceu.

O que aconteceu com a marca? Envelheceu como seus consumidores e, pouco a pouco, foi caminhando para a morte, assim como todos nós, consumidores, caminharemos inexoravelmente. A marca, também, é uma espécie de "ser vivo". Ela nasce, cresce e, se não for "alimentada", "renovada", envelhece e morre. Para que ela se perpetue, é necessário que a renovação ocorra acompanhando os hábitos e os valores dos novos consumidores.

Dividi opiniões com alguns companheiros de trabalho, acerca da campanha do Camaro, e também consultei fóruns de aficionados pela marca na internet. Unanimidade: todos, sem exceção, se emocionaram ao escutar de novo o jingle daquela propaganda do Opala, de 1987, que marcou a história da infância desse pessoal, hoje já marmanjos barbados. "Quanta saudade daqueles Chevrolets!", dizem. Mas, e hoje? Acho que ninguém se sente tão atraído pelos Chevrolets de hoje como por "aqueles Chevrolets"... Um caso típico de marca que não conseguiu, ao longo dos últimos anos, renovar seu público.

O passado renasce
A agência W/McCann preparou um anúncio especial para o Camaro. Fiquei esperando ansiosamente o domingo para assistir ao clipe completo. O rapagão entra em seu Camaro amarelo, cantarola a saudosa musiquinha do falecido Zé Rodrix, liga as luzes, engata a caixa automática e acelera os 406 cv do motor V8 noite afora. O "mais do mesmo" não pode faltar, é claro. Curvas, alta velocidade, derrapadas e tal — tudo aquilo que você, mortal, jamais conseguirá fazer com um carro numa cidade grande sem tomar 30 multas e ser preso por tentativa de homicídio.

Ficamos chupando os dedos. Mas, quando o rapagão entra com seu Camaro num galpão — identificado como propriedade particular, para que ninguém reclame que tudo aquilo foi feito nas ruas — cheio de tambores em chamas... Daí, sim, o passado renasce.

Primeiro, a escolha perfeita dos novos intérpretes da música. Uma seleta dupla de cinquentões — Frejat e Edgard Scandurra — representa com exatidão a essência da marca Chevrolet. Particularmente sou fã do Frejat, mas os adolescentes, os jovens de pouca idade, nem sabem quem eles são. Eles, no passado (de novo, o passado), foram astros jovens do rock e arrasaram os corações das menininhas. São excelentes artistas, ainda, claro. Mas não representam o novo, ao contrário. Representam a "maturidade". Representam aqueles consumidores que estão envelhecendo junto da marca.

É angustiante ver uma grande marca, como a Chevrolet, envelhecer pouco a pouco. Não é possível enxergar nenhum respiro de renovação nisso. E, quando um ícone como o Camaro ressurge, representando o "renascimento" e o resgate de uma General Motors deficitária, envelhecida e agonizante nos Estados Unidos, surgiria também a oportunidade de reinventar a marca no Brasil, usando elementos sólidos do passado, mas agregando aquela "juventude" que a tudo revigora.

Mas, não. Tudo do mesmo. No Brasil, a Chevrolet parece repetir a história do filme O Curioso Caso de Benjamim Button, o homem que nasce já envelhecido. O portfólio de produtos que já nascem defasados em tecnologia, a exemplo do "novo" Montana, parece repetir isso, também.

Não cabe a mim a tarefa de julgar se o novo é o certo, e o passado, errado. Se cultuar o passado for a opção feita pela marca, até arrisco dizer que a execução da idéia foi primorosa. O clipe de Andrucha Waddington é muito bom. Relembrar a música do comercial antigo, boa sacada. Repare, no clipe novo, que o verso inicial da música — "É no silêncio de um Chevrolet..." — virou só um assovio, porque o som do filme realça mesmo é o ronco do motor V8.

A questão é que a Chevrolet corre o risco de virar a Antarctica das fotos de aniversário. Foi boa, um dia, mas já não consegue tantos admiradores assim. Ao menos, poderia a Chevrolet seguir à risca a história de Benjamim Button e, na contramão do senso comum, ir rejuvenescendo aos poucos, sem que percebêssemos.

De repente, sentiríamos nosso coração bater mais alto novamente dentro de um Chevrolet. Mas um que eu e você pudéssemos comprar, claro. Porque a bordo de um Camaro de quase R$ 200 mil é fácil...

Essa era a oportunidade de reinventar a marca no Brasil, usando elementos sólidos do passado, mas agregando aquela "juventude" que a tudo revigora

 

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Data de publicação: 23/11/10

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