Tendência



Clones: os carros que nascem gêmeos


Da plataforma do Audi A3 (foto) saíram os novos Golf e Fusca, o Skoda
Octavia e ainda virão outros modelos do grupo VW


De olho nos custos, fábricas do mundo todo produzem

novos modelos em parceria

 


Texto: Fabrício Samahá




Quando a Autolatina colocou nas ruas o Apollo, em 1990, muitos estranharam: era uma versão do Verona, produzida na Ford, mas com o emblema Volkswagen. Reações de mercado à parte, o modelo inaugurava no Brasil uma tendência consagrada no mundo todo: a dos clones, automóveis similares, projetados em parceria por dois ou mais fabricantes e vendidos por diversas marcas.

A idéia acabaria não dando certo por aqui, com a separação das fábricas e a morte dos outros filhos tidos no casamento — Logus, Pointer, Versailles e Royale. Os clones, entretanto, permanecem em nosso mercado: o Polo Classic é irmão gêmeo do Seat Cordoba, o Alfa Romeo 155 deriva do Tempra, o novo Passat tem a mesma plataforma do Audi A4. Em termos de produção brasileira, haverá em 1999 o Audi A3 e o VW Golf (
veja o boxe).

A razão de ser dos clones é a redução dos custos, no projeto e na produção. Com o desenvolvimento de um automóvel rondando os 500 milhões de dólares, nada como uma associação para rachar as despesas e, ao final, obter dois ou mais modelos de um mesmo projeto. O maior volume de produção permite ainda baixar o custo unitário dos componentes, o que é bem-vindo em particular nos segmentos de menor índice de vendas, como o de vans. Assim, a mesma união que não fez a força no Brasil tem dado certo em Portugal, onde Ford e Volkswagen produzem os vans Ford Galaxy, VW Sharan e Seat Alhambra — que ainda poderão dar origem ao primeiro van da Porsche. União semelhante resultou nos clones Fiat Ulysse, Peugeot 806, Citroën Evasion e Lancia Zeta.

O Chevrolet Camaro (à esquerda) há décadas tem um clone dentro da própria GM, o Pontiac Firebird


As “sinergias de grupo”, como são chamadas essas parcerias, tanto podem originar modelos quase idênticos, como resultar em automóveis tão diferentes que não revelam seu desenvolvimento comum. É o caso do Alfa Romeo 164, projetado sobre a mesma plataforma que serviu ao Fiat Croma, Lancia Thema e Saab 9000: cada um com uma carroceria própria, mantiveram a personalidade das marcas. O mesmo aconteceu entre o 306 da Peugeot e o ZX da Citroën, sócias no grupo PSA. Ou entre o Carisma da Mitsubishi e o S40 da Volvo, coligadas ainda ao governo da Holanda na NedCar — que deve produzir um minivan a ser vendido por ambas.

O primeiro clone do mundo foi o Chrysler 70 de 1924. Construído por empregados demitidos da marca Durant, era cópia fiel de seu modelo Flint. Mais tarde, em 1935, a francesa Simca produziu sob licença uma versão do Fiat 500 “Topolino”. Ainda não eram projetos conjuntos — como seriam os ingleses Austin Seven e Morris Mini-Minor, de 1959 —, o que se tornaria mesmo comum nos EUA, onde as big three vendem modelos sob várias divisões.

Assim, na GM, o Buick Skylark, o Oldsmobile Achieva e o Pontiac Grand Am partem do mesmo projeto, bem como Pontiac Firebird e Chevrolet Camaro. O esquema inclui também a Opel, braço alemão do grupo: o van Opel Sintra deu origem aos clones Chevrolet Venture, Pontiac Trans Sport e Oldsmobile Silhouette, enquanto o Cadillac Catera nada mais é que um Omega retocado. Já a Geo, outra divisão GM, vende nos EUA modelos japoneses rebatizados: o Metro (Suzuki Swift), o Prizm (Toyota Corolla) e o jipinho Tracker, clone do Suzuki Vitara e também do Mazda Levante.

Chevrolet Venture: um dos três clones americanos do Opel Sintra


A mesma interação se vê na Ford, cujos modelos sempre tiveram nos Mercury uma execução luxuosa: o Sable deriva do Taurus; o Tracer, do Escort; o Cougar, do Thunderbird; e o Mystique, do Contour — que não passa de um Mondeo americanizado. O van Mercury Villager tem um clone japonês, o Quest da Nissan, marca que na Europa se une à Ford pelos utilitários Terrano II e Maverick. A principal parceira nipônica da Ford, contudo, é a Mazda, com a qual desenvolveu o antigo Escort americano (clone do Mazda 323), o Aspire (121), o Probe (MX6) e os utilitários Ford Explorer e Mercury Montaineer (Mazda Navajo). Já o Mazda 121 vendido na Europa é apenas um Fiesta com outra grade.

O outro grupo norte-americano, a Chrysler, também usa e abusa dos clones, como os sedãs Chrysler Cirrus, Plymouth Breeze e Dodge Stratus; ou os vans Chrysler Town & Country, Plymouth Voyager e Dodge Caravan. Também aqui vale o provérbio de que se deve unir ao inimigo que não se pode vencer: a marca associou-se à Mitsubishi e criou a Diamond Star, que já deu origem aos Eagle Talon (clone do Eclipse), Summit (Mirage) e Summit Wagon (Space Wagon), além do Dodge Avenger (feito sobre a plataforma do Galant) e os esportivos Dodge Stealth e Mitsubishi 3000 GT.

Na Europa e no Brasil, Ford Mondeo (foto). Nos EUA, Ford Contour ou, com acabamento mais luxuoso, Mercury Mystique


As próprias fábricas japonesas, em busca de uma imagem de luxo, criaram marcas e modelos para vender nos EUA baseados em seus produtos nipônicos. O Lexus ES 300 tem a plataforma do Toyota Camry e o jipe LX 450 é um Land Cruiser. Já a Nissan vende os modelos Infiniti I30 (Maxima), J30 (Leopard) e Q45 (President).

E as sinergias dão a volta ao mundo. Na Lancia italiana, Delta e Dedra são baseados no Tipo, enquanto o modelo Y usa a mesma plataforma do Fiat Punto. Os Alfa Romeo 145 e 146 saíram antes dos Fiat Bravo e Brava, dos quais são clones. A inglesa Rover manteve acordo com a Honda, o que resultou nos modelos 200 (o Honda Concerto da época), 600 (Accord) e 800 (Legend). A Asia Towner é vendida na Europa como Piaggio Porter. O Saab 900 foi criado sobre a plataforma do antigo Vectra, enquanto o novo 9000 da marca será baseado no Opel Omega. Os Citroën Saxo e Berlingo são gêmeos dos Peugeot 106 e Partner, e o Seat Marbella não passa de uma versão espanhola do Fiat Panda.

Clones não são menos comuns na Ásia, onde os Kia Pride, Avella, Sephia e Clarus são baseados nos Mazda 121 antigo, 121 atual, 323 e 626, na ordem. O Hyundai Grandeur é cópia do Mitsubishi Debonair. Já o Isuzu Rodeo, o Honda Passport e o Opel Frontera são o mesmo utilitário esportivo. O Subaru Justy é um Suzuki Swift da geração passada, também fabricado na China pela marca Chang’an. Os vans Asia Topic e Kia Besta compartilham motor e plataforma. A Isuzu comercializa o van Oasis, na verdade um Honda Odyssey, e o pickup Hombre, idêntico ao S10 brasileiro.

A plataforma do Tempra deu origem a clones da Alfa Romeo (155) e da Lancia (Dedra), que pertencem ao grupo Fiat


E há os que resultam da produção, sob licença, de modelos de outras marcas em países subdesenvolvidos ou emergentes. O Mitsubishi Colt ganhou um irmão gêmeo na Malásia, que atende por Proton Persona. Na China, a Shangai produz o Golf, o antigo Audi 100 e o Santana igual ao brasileiro, enquanto a SAW faz o Citroën ZX. Na Índia, a Maruti produz os modelos Zen (clone do Suzuki Alto e do Daewoo Tico), Gipsy (Suzuki Vitara) e 1000 (Swift). A coreana Daewoo, que manteve cooperação com a Opel até 1992, manteve até há pouco a plataforma do extinto Senator no seu Prince e a do antigo Vectra no Espero, enquanto o modelo Nexia não passava de um Kadett. E a australiana Holden comercializa versões locais dos Toyota Corolla e Camry, e dos Opel Omega, Senator e Calibra.

Mesmo os fabricantes de maior prestígio têm seus clones, frutos da aquisição de outras marcas no passado. O aristocrático Rolls Royce Silver Spirit tem uma versão “pobre” chamada Bentley Brooklands, e do Jaguar XJ6 deriva o Daimler Six. A partir da plataforma dos dois últimos nasceram os esportivos Jaguar XK8 e Aston Martin DB7 — ambas as marcas foram compradas pela Ford. Se as “sinergias de grupo” são um ótimo negócio para os fabricantes, podem não ser tão boas para o consumidor. O maior inconveniente está na excessiva padronização dos veículos: os projetistas da Alfa Romeo, por exemplo, tiveram de insistir muito até convencer a Fiat a mudar a inclinação original do pára-brisa do Tipo, ao desenhar o Alfa 145. Num mundo onde os automóveis estão cada vez mais parecidos, estratégias como a dos clones só ajudam a torná-los ainda menos personalizados.


UMA PLATAFORMA, OITO MODELOS


A nova fábrica da Volkswagen no Paraná será um caso típico de “sinergia de grupo”. Produzirá as versões brasileiras do Audi A3 e do Golf, que compartilharão uma plataforma de 2,51 metros entre eixos com seis outros modelos feitos lá fora: o novo VW Vento (Golf de três volumes), os esportivos Audi TT (cupê) e TTS (roadster), o checo Skoda Octavia, o novo Seat Toledo espanhol e o novo Fusca que está em produção no México. A Volkswagen mundial pretende concentrar a produção de suas quatro marcas em não mais que cinco plataformas. O objetivo é um só: redução dos custos.



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