Carro nacional, objeto de coleção Novos
colecionadores começam pelos veículos |
Colecionar veículos nacionais é inovação conceitual, tema polêmico, merece explicação sobre o porquê desta alteração comportamental. O novo caminho dos colecionadores em direção aos veículos antigos nacionais tem uma justificativa que é muito clara e tem base na velha e incontestável lei de mercado: o aumento da procura por estes veículos, agora buscados por uma nova geração de preservadores culturais, que demanda por veículos antigos. Não é simplesmente um processo mercadológico com novos clientes para adquirir novos bens, cuja produção deve ser satisfeita pelos industriais do setor. Isto não funciona na mesma relação de causa e conseqüência para os produtos novos, pela simples razão de não se fabricarem veículos antigos.... Esta relação de produção e consumo tem a particularidade de não operar tão singularmente, eis que os veículos antigos são em número finito, enquanto que o de colecionadores vem em expansão. Com isto, encerrando-se praticamente o universo de veículos disponíveis, o mercado se depara com duas vertentes para o mesmo caminho. A primeira, interessante, é o aumento do universo de veículos através da importação, limitada pelo custo externo em dólar forte e pela incidência de impostos que dobram o valor. A outra, culturalmente mais interessante, é o direcionamento a outras camadas de mercado, numa expansão numérica, onde os produtos nacionais com maior idade tornam-se alvos preferidos. Há, aí, um condicionamento diferente. É que não existe uma explicação racionalmente clara para os impulsos que levam uma pessoa a comprar um veículo antigo. Óbvio, existem os colecionadores que se dedicam ao antigomobilismo com o mesmo afinco que se aplicam a seus negócios usualmente bem sucedidos -- tanto, que sobra numerário para este prazeroso investimento. Este ainda pequeno rol de adeptos do colecionismo de veículos maneja cotações internacionais, cruza dados, projeta e imagina o que poderá ser um bom investimento de longo prazo, realizando a compra. A grande maioria, entretanto, o faz por impulso emocional, identificação com algum veículo arquivado na infância ou na juventude por força de alguma lembrança, simpatia, condicionamento, facilidades ou simplesmente desejo não realizado à época certa. Considerando que a geração que ora se interessa pelo antigomobilismo é a que sucede à atual, e cujo referencial e lembranças com os antigos é exatamente dos veículos de produção nacional, com os quais conviveu diuturnamente, tem-se aí a soma do fato aritmeticamente gerador -- o aumento do número de colecionadores, e a impossibilidade disto ocorrer com o parque de veículos antigos -- com sua justificativa óbvia, que é a escolha dos nacionais por sua influência de convívio. Os integrantes desta nova geração de interessados têm suas âncoras de registro automobilístico fundeadas nos veículos das experiências vivenciais, o que, na maioria das vezes, ocorria com os veículos feitos no Brasil -- eram bem reduzidas as chances de contar com veículos importados num período de importações vedadas para garantir, no princípio, a implantação da indústria automobilística nacional e posteriormente para assegurar, mesmo com cara de cartório, a grande lucratividade das indústrias aqui sediadas a produzir veículos defasados da competição internacional. O comportamento hoje verificado no Brasil não é uma reinvenção da roda, tendo ocorrido em outros países. Há 20 anos, por exemplo, clássicos e carros colecionáveis eram apenas os anteriores à II Guerra Mundial. Com a ampliação do número de interessados, ocorreu, pelo número certo de veículos pré-guerra, o interesse pelos esportivos de alto desempenho, pelas limusines, pelos sedãs, cupê e conversíveis mais rebuscados e até por veículos de corridas, alguns dos quais hoje na trilha para serem considerados clássicos, o que é o grande diferencial nesta história. Os Ford GT 40, os Shelby Cobra, Ferraris com carroceria Pininfarina e motores grandes, Maseratis, Lamborghinis, Jaguar, Mercedes S, são veículos com destaque e procura. A mistura inconsciente dos arquivos do cérebro com o fato histórico que o veículo deve ser visto como uma grande fotografia social, tecnológica e econômica, tendo como cenário todo o restante do condicionamento da sociedade ao momento de sua produção, traz outra conseqüência interessante: a constatação de que, comparados veículos comuns, o carro nacional nos é muito mais rico de história que o importado. Para exemplificar um Vemag Belcar, com transformação SR -- que lhe separava os bancos frontais, deslocava o comando do câmbio para o assoalho e aprimorava sua decoração -- tem muito mais a ver com o horizonte nacional e registros na memória e nas experiências de um interessado brasileiro, que um simplíssimo e anônimo Chevrolet '51, produzido em Flint (que ninguém sabe onde é), Michigan (que algumas pessoas sabem), EUA, de pouca ou nenhuma participação na vida ou nos registros de experiências profissionais do novo colecionador. Há outros exemplos mais instigadores e representativos de veículos feitos no Brasil e que retrataram com grande especialidade o momento social, político, artístico e tecnológico da hora de sua produção. Mas é tema longo e que merece tratamento individualizado. |
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Correspondência para o autor: rnasser@mymail.com.br