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Carros do Passado

Os automóveis
de Rio Claro


João Gurgel produziu ótimos fora-de-estrada por duas décadas, mas não teve sucesso em seu sonho de um carro popular 100% nacional

Texto: Francis Castaings - Edição: Fabrício Samahá e Bob Sharp - Fotos: divulgação

A cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo, já sediou uma importante indústria nacional de automóveis. Fabricou lá durante duas décadas utilitários, carros urbanos e até elétricos. Foi fundada em 1°. de setembro de 1969 pelo intrépido engenheiro mecânico e eletricista João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, que sempre sonhou com o carro genuinamente brasileiro. Devido às exportações que sua empresa passou a fazer com o sucesso dos produtos, ele sempre dizia que sua fábrica não era uma multinacional, e sim "muitonacional". O capital era 100% brasileiro.

Este homem dinâmico e de grandes idéias sempre inovou, sempre foi original -- e quase tudo o que aplicou deu certo. Formou-se na Escola Politécnica de São Paulo em 1949 e, em 1953, no General Motors Institute nos Estados Unidos. Conta-se que, ao apresentar o projeto de um automóvel popular -- o Tião -- ao professor, teria ouvido: "Carro não se fabrica, Gurgel, se compra".

Começou fazendo minicarros para crianças, no caso réplicas de um Karmann-Ghia e de um Corvette. Eram muito fiéis, bem acabadas e comportavam duas crianças. Eram movidos por motores monocilíndricos. O primeiro modelo para adultos foi um bugue com linhas muito modernas e interessantes, com chassi, motor e suspensão Volkswagen. Chamava-se Ipanema. Gurgel sempre batizou seus carros com nomes bem brasileiros e homenageava nossas tribos de índios -- a fábrica de aviões Piper, dos EUA, utilizou o mesmo expediente durante décadas, com os seus "índios voadores" Cherokee, Apache, Comanche, Aztec e outros.
 O pequeno jipe Xavante (aqui um X12 de 1983) servia com valentia no fora-de-estrada, mas também fez sucesso como uma opção aos bugues no lazer

Em 1973 chegava o Xavante, que daria início ao sucesso da marca. Seria seu principal produto durante toda a evolução e existência da fábrica. De início com a sigla X10, não era mais um bugue, mas um jipe que gostava de estradas ruins e não se importava com a meteorologia. Sobre o capô dianteiro era notável a presença do estepe. Sua distância do solo era grande, o pára-brisa rebatia para melhor sentir-se o vento e a capota era de lona.

Tinha linhas curvas, seguindo uma tendência dos bugues da época. Um par de pás afixadas nas portas, para cavar e sair de situações mais extremas, chamava a atenção. Este acessório inédito anunciava o propósito do veículo e o identificava logo. Foi incorporado à linha pela participação do Xavante em desfiles militares.

O jipe era equipado com a tradicional, simples e robusta mecânica Volkswagen refrigerada a ar, com motor e tração traseiros. O acesso ao motor nunca foi dos mais favoráveis: era feito por uma tampa estreita e não muito comprida. O chassi era uma união de plástico e aço (projeto patenteado pela Gurgel desde o início de sua aplicação, denominado Plasteel), que aliava alta resistência a torção e difícil deformação. A carroceria era em plástico reforçado com fibra-de-vidro (FRP). Conta-se que, na fábrica, existia um taco de beisebol para que os visitantes batessem forte sobre a carroceria para testar a resistência. Não amassava, mas logicamente o teste pouco comum era feito antes de o carro receber pintura.

Recurso interessante do X12, que supria em parte a ausência de tração 4x4, era o freio individual das rodas traseiras acionado por alavancas, que facilitava sair de atoleiros

A carroceria e o chassi formavam um só bloco. Pelo emprego destes materiais a corrosão estava completamente banida. As rodas, as mesmas da Kombi, eram equipadas com pneus de uso misto. A suspensão, como no Fusca, era independente nas quatro rodas, em um conjunto muito robusto -- mas na traseira a mola era helicoidal, em vez da tradicional barra de torção. Para subir ou descer morros não havia grande dificuldade. Dificilmente nestas ocasiões ele raspava: a carroceria tinha ângulo de entrada de 63 graus e de saída de 41 graus.

Além do Plasteel, outro recurso interessante do Xavante era o Selectraction. Tratava-se de um sistema movido por alavancas, ao lado do freio de estacionamento, para frear uma das rodas traseiras. Era muito útil em atoleiros, pois freando uma das rodas que estivesse girando em falso a força era transmitida à outra -- característica de todo diferencial --, facilitando a saída do barro. Com este sistema o carro ficava mais leve e econômico do que se tivesse tração nas quatro rodas e a eficiência era quase tão boa quanto -- pelo menos era o que Gurgel costumava argumentar, talvez para esconder o fato de que nunca tivesse conseguido, ou mesmo tentasse, produzir uma transmissão 4x4.

O Xavante logo agradou ao público, por sair da concepção tradicional dos bugues, e ao Exército brasileiro, que fez grande encomenda. Havia uma versão militar especialmente produzida para este fim, o que deu ótimo impulso à produção. Na primeira reestilização, em 1975, as linhas da carroceria ficaram mais retas. O estepe agora ficava sob o capô, mas o ressalto neste anunciava sua presença. Sobre os pára-lamas dianteiros ficavam as lanternas de direção, idênticas às do Fusca.

Um dos últimos modelos da série, o Tocantins TR: teto rígido e melhorias em conforto e mecânica, mantendo as linhas básicas originais do fim dos anos 70

Além do X10, mais simples, existia o X12, versão civil do jipe das forças armadas. O motor era o mesmo 1,6-litro de um só carburador, que fornecia 49 cv e usava a relação de diferencial mais curta do Fusca 1300 (4,375:1 no lugar de 4,125:1). Atrás das portas havia uma pequena grade plástica para ventilação do motor. A velocidade final não chegava a empolgar: fazia no máximo 108 km/h e de 0 a 100 km/h levava penosos 38 s. Mas seu objetivo era mostrar serviço e desempenho com relativo conforto em caminhos difíceis, pouco apropriados a carros de passeio.

Sua estabilidade era crítica em ruas de asfalto ou paralelepípedo. Nas pistas, ruas e estradas era melhor não arriscar nas curvas. O jipe gostava mesmo de lama, terra, água, neve, praia, montanha e floresta, que eram seu hábitat natural. Era fácil de estacionar, de dirigir e de domar. Por causa de todo o conjunto muito robusto, era um veículo barulhento para o dia-a-dia. Seu escapamento não era original VW e havia dúvidas quanto a sua eficiência, além de produzir ruído exagerado.
Continua

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