Os motivos que levaram os dois a se detestarem mutuamente são controversos, mas algumas coisas ficam claras. O aristocrático e técnico Ricart não se conformava com o fato de um paesano sem educação nenhuma como Ferrari ocupar cargos tão importantes na Alfa. Ferrari, por sua vez, considerava Ricart um estrangeiro incompreensível, um "sapo de fora" que conseguiu o cargo por suas conexões nas altas rodas do poder, e não trabalhando duro como ele.

Além disso, dizem que Ricart tinha um senso de humor afiadíssimo e inteligente, e não perdia chance de brincar com as deficiências da personalidade de Enzo. Este, orgulhoso como só ele podia ser, não entendia as brincadeiras e se ofendia profundamente.

A trama política que se seguiu nos corredores de Portello é muito longa e enfadonha para se contar aqui. Mas, em resumo, duas facções começaram a preparar carros de competição diferentes sem se conversar -- uma com Ferrari em Modena, outra com Ricart em Portello --, enquanto Jano teoricamente trabalhava para ambos. Com esta bagunça generalizada, a humilhação frente aos alemães continuou e Gobbatto teve de tomar uma atitude.

Os ferraristas tendem a diminuir o episódio que se seguiu, mas o fato (confirmado até por Enzo) é que Ferrari foi sumariamente demitido, alguns meses após Jano, em 1939. Essa demissão é fato histórico importante. Se Ricart não fosse trabalhar na Alfa, provavelmente Enzo não seria demitido. E se não fosse demitido, é justo imaginar que não haveria hoje uma marca de automóveis chamada Ferrari.

Com a guerra na Europa se alastrando a todo o vapor, os dois rivais se confrontaram com problemas mais sérios que picuinhas pessoais e seguiram suas vidas. Mas ainda se enfrentariam, pois a Pegaso de Ricart e a Ferrari de Enzo lutariam com unhas e dentes no pós-guerra pela fama de melhor carro-esporte do mundo. Como sabemos quem venceu essa última briga, vamos continuar seguindo a trajetória de Don Wifredo, pois hoje quase todos se esqueceram dele e suas criações.

Ricart continuou na Alfa até o fim do conflito, projetando incrivelmente complexos motores aeronáuticos para o esforço de guerra. Em seu final, em 1945, a Itália se tornou rapidamente um lugar perigoso para os seguidores do fascismo. Ugo Gobbatto foi assassinado brutalmente a tiros, bem em frente ao portão da fábrica. Sentindo o risco de um final semelhante para sua vida, Ricart rapidamente fugiu para sua cidade natal de Barcelona.

A Pegaso   Chegando em casa, Ricart foi imediatamente chamado por suas conexões no governo. A recém-criada estatal ENASA precisava de um executivo-chefe e ninguém na Espanha daquela época, além dele, tinha as qualificações técnicas e administrativas necessárias.

Como presidente da empresa e engenheiro-chefe, Ricart começava a fase mais feliz de sua carreira, numa posição de poder e prestígio que fazia muito bem a seu ego aristocrata. Mas vários problemas se apresentavam. A Espanha era ainda um país atrasado e deficiente de mão-de-obra especializada. No início dos anos 50, após a produção de alguns caminhões Hispano-Suiza com a marca Pegaso (a ENASA "herdou" as instalações fabris dessa empresa falida, no subúrbio de La Sagrera, em Barcelona), Ricart teve uma idéia inusitada.

E se, para alavancar o desenvolvimento de tecnologia e mão-de-obra, a Pegaso criasse um carro-esporte sofisticado? O projeto não seria problema, pois Ricart o supervisionaria, educando seus jovens engenheiros. Toda a empresa, da engenharia ao chão de fábrica, teria um ganho tecnológico considerável. Uma fantástica escola para todos. Assim nascia o Pegaso Z102. Continua

Carros do Passado - Página principal - e-mail

© Copyright 2001 - Best Cars Web Site - Todos os direitos reservados